A vida de Elias ensina-nos que a determinação, isto é, a disposição firme de servir a Deus e cumprir o seu ministério é qualidade indispensável para alcançarmos a vitória espiritual.
Na seqüência dessa biografia bíblica para melhorarmos os nossos caminhos diante de Deus, analisaremos a vida de Elias, o grande profeta levantado por Deus no reino de Israel (o reino do norte, o reino das dez tribos), num momento de grave crise espiritual.
O ilustre comentarista quis realçar, na vida
de Elias, duas características: a humildade de espírito, virtude que já
estudamos quando estudamos a vida de Davi e a determinação, entendida esta como
a disposição firme de cumprir integralmente a missão que lhe foi confiada pelo
Senhor. Estes traços fizeram de Elias o modelo do profeta do Antigo Testamento.
Elias, O Profeta Que Aprendeu a Ter Experiência Pessoal Com Deus
Elias é
daqueles personagens da Bíblia de que nada ou quase nada sabemos antes do
início do seu ministério, circunstância que demonstra claramente que a Palavra
de Deus tem o intuito de revelar aquilo que é pertinente à salvação do homem, sendo,
obviamente, uma obra literária, histórica e científica, mas que não tem estes
vieses como prioritários, sendo, pois, um grande equívoco querer reduzir o
texto sagrado a estes aspectos.
Elias surge nas páginas sagradas em I
Reis17:1 e de forma repentina, sem qualquer explicação, nem mesmo da sua
genealogia, como é costumeiro fazer-se quando se trata, pelo menos, de
personagens da história de Israel. É apresentado apenas como “Elias, o tisbita,
dos moradores de Gileade”. Seu nome, que, em hebraico é ‘Eliáhu” (“Elias” é a forma
grega do nome), significa “Javé é Deus” e sintetiza, de forma sublime, todo o
seu ministério profético: demonstrar ao povo do reino de Israel que o seu Deus
é Javé, o mesmo “Eu sou o que sou” que havia Se revelado a Moisés no monte
Horebe.
Da forma abrupta como Elias é apresentado no texto sagrado, ficamos a saber tão somente que o
profeta é natural de Tisbe, sendo dos moradores de Gileade. Esta informação,
além de escassa, traz uma série de problemas aos estudiosos da Bíblia, visto
que a única menção que se faz desta cidade é no livro apócrifo de Tobias, onde
é dito que se tratava de uma cidade que se situava na tribo de Naftali, na
região da Galiléia, enquanto que o texto sagrado diz que Elias era “dos moradores de Gileade”, ou seja, alguém que morava na região
daquém do Jordão, pertencente à meia-tribo de Manassés e à tribo de Gade
(Josué 13:24,25,30,31). Assim, ficamos sem saber se Elias morava em Gileade, tendo sido natural de Tisbe de Naftali ou se era de
uma cidade chamada Tisbe que ficasse do outro lado do Jordão, na região de Gade
ou da meia-tribo de Manassés. Flávio Josefo, o grande historiador judeu, parece
concordar com a idéia de que se tratava de uma cidade de Gileade que se chamava
Tisbe, enquanto que a Septuaginta chama a cidade de “Tisbe da Galiléia”,
acolhendo a outra versão.
OBS: Eis o texto de Tobias
1:2, na Edição Pastoral: “No tempo de Salmanasar, rei da Assíria, Tobias foi
exilado de Tisbé, que fica ao sul de Cedes, em Neftali, na Galiléia do norte,
acima de Hasor, a ocidente, ao norte de Sefat.” Reproduzimos aqui, também,
parte do texto de Flávio Josefo, nas Antigüidades Judaicas: “Havia agora um
profeta do Deus Misericordioso, de Tisbe, uma cidade de Gileade, que veio a
Acabe…” (JOSEFO, Antigüidades Judaicas 8:319.)
Além do local de onde
vem Elias, e que já dá margem a controvérsias, sobre Elias ficamos apenas a saber que se tratava de
pessoa que tinha um traje característico, diferente daqueles usados pelas
pessoas de seu tempo, tanto que bastava a descrição desta vestimenta para
identificá-lo, a saber: “…um homem vestido de pêlos e com os lombos cingidos de
um cinto de couro…” (II Reis 1:8). Isto nos dá a entender que Elias deveria ter uma vida mais ou menos retirada
da comunidade, uma espécie de “eremita” no deserto, o que, aliás, inspirou
algumas ordens religiosas cristãs, notadamente a ordem dos “carmelitas”, que se
inspiraram em Elias para construir a sua vida monástica.
No entanto, embora Elias demonstre, pelos seus trajes e pela forma
repentina com que se apresenta na história sagrada, que deveria viver um tanto
quanto retirado da comunidade, não é correto dizer que haja respaldo bíblico
para dizer que vivia isolado dos demais homens do seu tempo. Pelo que podemos
observar do texto sagrado, percebemos que Elias tinha uma relação bem próxima aos chamados
“filhos dos profetas”, ou seja, aos jovens que se dedicavam ao estudo da
Palavra de Deus e a uma vida de serviço ao Senhor nas “escolas de profetas”,
cuja origem remonta aos tempos de Samuel (I Samuel 10:5; 19:20). Com efeito, as
páginas sagradas permitem-nos vislumbrar que Elias tinha um estreito relacionamento com estes
grupos (II Reis 2:2, 4), sendo até possível que Elias tenha sido uma figura proeminente de tais
grupos quando se apresentou ao rei Acabe, o que, aliás, explicaria a facilidade
com que tenha conseguido se apresentar ao rei.
Apesar de tão poucos conhecimentos a respeito de Elias antes do início do embate com Acabe, Jezabel e
os responsáveis pelo culto de Baal, tais informações já nos são preciosas no
sentido de se mostrar que alguém, para ser usado eficazmente pelo Senhor,
precisa ter dois pontos que havia na vida de Elias: um distanciamento do mundo e um comprometimento com a Palavra de Deus.
Elias não era uma pessoa que havia se misturado com as
estruturas religiosas desvirtuadas e contaminadas do reino de Israel. Nos dias
de Elias, vivia Israel uma situação espiritual extremamente difícil. O rei era
Acabe, filho de Onri, o fundador da terceira dinastia (família real) do reino
de Israel, o reino do norte, o reino das dez tribos que haviam se separado de
Roboão, neto de Davi (I Reis 12:16-25). Esta terceira família reinante não se
apartou do pecado de Jeroboão, o primeiro rei de Israel (reino do norte), que
havia criado um culto próprio, fazendo sacerdotes dos mais baixos entre o povo,
e levando o povo a adorar dois bezerros de ouro, um situado em Dã e outro em
Betel (I Reis 12:26-33), tendo, além disso, Acabe se casado com Jezabel,
filha do rei de Sidom, que, ao se mudar para Israel, trouxe com ela o culto a
Baal, o deus da fertilidade dos fenícios, criando, assim, um culto rival ao
culto a Deus.
Servir a Deus nestas
circunstâncias não era nada fácil, pois, ou se adotava o culto oficial do
reino, criado no tempo de Jeroboão, idolátrico e totalmente desvirtuado das
prescrições da lei de Moisés ou, então, se aderia ao culto a Baal, trazido por
Jezabel e que alcançou grande popularidade. Isto explica o distanciamento
físico não só de Elias mas também dos filhos dos profetas, que não
tinham espaço para, com liberdade, servir a Deus em meio a estruturas sociais
altamente desfavoráveis a quem buscasse a presença do Senhor.
Mas, ainda que possamos
contemplar este distanciamento físico de Elias e dos demais que serviam a Deus naquele
tempo, devemos ter como lição para os nossos dias deste comportamento do
profeta não o distanciamento físico, mas, sim, o distanciamento espiritual.
Embora muitos tenham se inspirado em Elias para tomar uma decisão de se apartar da
sociedade a fim de servir a Deus, a lição que o profeta nos deixa é bem outra:
é a da separação do mundo espiritual, da separação do pecado. Na nova aliança
estabelecida por Jesus Cristo, não há espaço para “eremitas”, para pessoas que
saem da sociedade para servir a Deus mas, sim, pessoas que, a exemplo de Jesus,
estão completamente separadas do pecado, mas vive no meio dos pecadores, para
“…salvar alguns, arrebatando-os do fogo” (Judas 23 “in initio”, isto é, a parte
inicial do versículo). Jesus disse que não somos do mundo, não podemos nos
comprometer com ele (João 17:16), mas não pediu que do mundo fôssemos
tirados(João 17:15), porque é necessário que sejamos sal da terra e luz do mundo
(Mateus 5:13,14).
A outra lição que
aprendemos com Elias, já neste instante em que ele surge nas
Escrituras, é de que devemos estar sempre comprometidos com o estudo da Palavra
de Deus, com a busca da presença de Deus. Elias tinha um carinho especial com os “filhos dos
profetas”, com aqueles que, em meio a um mundo tão distante de Deus, dedicavam
suas vidas para servir ao Senhor e informar-se a respeito da Sua Palavra.
Devemos ter este mesmo compromisso, devemos nos aliar àqueles que têm este
mesmo propósito. Ao nos reunirmos em classe, a cada Escola Bíblica Dominical,
pomos em prática este exemplo deixado por Elias e, certamente, agradamos a Deus tanto quanto
o profeta Lhe agradou no seu tempo.
Elias surge no texto sagrado já desempenhando uma
tarefa toda especial da parte de Deus. As Escrituras sempre mostram Elias na execução de uma tarefa, no desempenho de
um encargo que lhe fora confiado pelo Senhor. Neste ponto, há até um paralelo
entre a forma como se narra a história de Elias e como Marcos, o evangelista, narrou o
ministério de Jesus, que, naquele livro, é apresentado como o incansável servo
do Senhor, como um homem de ações e de atitudes.
Impulsionado pelo
Espírito de Deus, Elias se apresenta diante do rei Acabe e declara
que não haveria nem chuva nem orvalho enquanto o próprio profeta não o pedisse
a Deus (I Reis 17:1). Numa frase tão curta e sucinta, como é este versículo das
Escrituras, encontramos um exercício imenso de fé, a conclusão de um processo
que não deve ter sido simples. Elias, um profeta que vivia retirado da sociedade,
é levado pelo Espírito a se apresentar nada mais nada menos que diante do
próprio rei e a dizer que haveria uma grande seca até o instante em que ele
pedisse a Deus que chovesse. Que coragem da parte do profeta! Que determinação,
ou seja, que disposição firme de cumprir a Palavra de Deus!
Aliás, aqui é oportuno mostrar que, quando se diz que Elias foi determinado, que nele era grande a
determinação, estamos a utilizar a palavra “determinação” no seu significado
correto e prescrito nos dicionários de língua portuguesa, ou seja, “forte
inclinação a ser persistente no que se quer alcançar”. Assim, esta
“determinação” nada tem que ver com o que têm ensinado os defensores da chamada
“doutrina da confissão positiva”, entendida como uma “fé real”, uma “tomada de
posse de bênção”, uma “exigência ao inimigo para nos obedecer”. Elias jamais foi alguém que tenha “determinado”
neste sentido distorcido que nos é apresentado pelos arautos da “confissão
positiva”, mas uma pessoa “determinada”, ou seja, disposta a persistir no
cumprimento das ordens que lhe deu o Senhor.
Elias simplesmente disse ao rei Acabe que não
choveria nem haveria orvalho enquanto ele não orasse a Deus neste sentido.
Nesta primeira palavra de Elias já se nota a missão que incumbiria ao
profeta: mostrar que o Senhor era o verdadeiro Deus e não Baal. Baal era uma
divindade que se entendia ser a controladora da natureza. A Baal se atribuía a
fertilidade, ou seja, não só a reprodução dos animais, mas também a produção
agrícola. Por isso, Baal era tido como o responsável pelas chuvas que permitiam
as fartas colheitas e era costume entre os povos cananeus, inclusive os
fenícios, procurar agradar a Baal e ter pequenas estatuetas deste deus e de
Asera, a deusa da fertilidade, como forma de obter o favor deste deus e, assim,
prosperidade na colheita. Ao dizer que não choveria até que houvesse um pedido
do profeta a Deus, o Senhor está mostrando que é maior que Baal, que Ele,
e não esta falsa divindade, tinha o controle sobre a natureza.
OBS: Como
era e é comum nos cultos idolátricos, a divindade é sempre associada a alguma
imagem ou a alguns locais. Assim, Baal e Asera eram cultuados sob vários nomes,
conforme o local onde se dava o culto, com uma ou outra variação nas crendices
e nas lendas a respeito da divindade. Nos dias de Elias, o culto a Baal certamente estava vinculado a
Baal-Mecarte, o deus de Tiro e de Sidom. Tiro foi uma cidade fundada pelos
sidônios (Isaias 23:12).
Assim que proferiu esta
palavra ao rei, Elias foi orientado pelo Senhor para que saísse dos
termos de Israel e fosse para o ribeiro de Querite, que estava diante do Jordão
(I Reis 17:3). Como afirma R.N. Champlin, esta ordem divina tinha a ver com a
proclamação dada por Elias e que “…sem dúvida alguma, isso provocou uma
tremenda agitação e a vida de Elias começou a correr perigo…” (CHAMPLIN, Elias. In: Dicionário de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.2, p.328).
Elias, que até então, havia demonstrado dedicação
a Deus, vivendo distanciado fisicamente de uma sociedade ímpia e buscando a
presença do Senhor, juntamente com os “filhos dos profetas”, passa a ter a
experiência da dependência completa de Deus. Denunciar o pecado e anunciar o
juízo divino não é uma tarefa fácil e o serviço a Deus traz inevitável
aborrecimento do mundo e dos pecadores. Não pensemos nós que servir ao Senhor é
alcançar popularidade, respeito e medo dos ímpios, mas, bem ao contrário, é
acirrar os ânimos das hostes espirituais da maldade contra nós. Deus mandou que Elias fugisse e fosse até um ribeiro, provavelmente
situado na região de Gileade, para que ali ficasse protegido e não sofresse os
danos da seca que havia anunciado.
Temos uma outra
importante lição, qual seja, a de que Deus é o garantidor do cumprimento da Sua
Palavra. Certamente não foi fácil para Elias acatar a ordem divina de desafiar o próprio
rei, mas, ao fazê-lo, Deus, que bem sabia os riscos que o profeta passava a
correr, encarregou-Se de providenciar ao profeta proteção e sustento, já que o
juízo divino afetaria a própria subsistência do povo.
Deus passou a sustentar
o profeta que, junto a um ribeiro, onde havia água necessária à sua
sobrevivência, passou a ser alimentado por corvos, que lhe traziam pão e carne
pela manhã e pela noite (I Reis 17:6). Como diz o apóstolo Paulo, “…Deus escolheu
as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias, e Deus escolheu as coisas
fracas deste mundo para confundir as fortes, e Deus escolheu as coisas vis
deste mundo e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são:
para que nenhuma carne se glorie perante Ele” (I Corintios 1:27-29). Como poderia Elias ser alimentado por corvos, animais que são
conhecidos por serem decompositores, ou seja, que se alimentam daquilo que está
apodrecendo, daquilo que está se desfazendo, e num momento em que passou a
haver escassez de alimentos? Como ser alimentado por um animal tão asqueroso,
tão repugnante? Entretanto, como disse o Senhor, havia sido dada uma ordem aos
corvos para alimentar o profeta e, ante a ordem divina, não há como haver recusa.
Elias, toda manhã e toda noite, era servido pelos
corvos, que, pontualmente, cumpriam a ordem do Senhor. Deus, assim, mostrava,
duas vezes ao dia, ao profeta que estava no controle de todas as coisas, que
toda a natureza estava sob as Suas ordens. Era uma experiência singular para Elias, que tinha de enfrentar o culto a Baal,
apresentado como “deus da natureza”. Elias não só deveria saber intelectualmente que
Deus era o único Senhor, mas também precisaria vivenciar, experimentar esta
realidade. Muitas coisas por que passamos, ao longo da vida, tem este objetivo
da parte de Deus: fazer-nos vivenciar, experimentar quem é Deus e qual é o Seu
poder. Nunca nos esqueçamos de que, quando a Bíblia fala em “conhecer a Deus”,
não está se referindo ao significado grego, adotado por nós na atualidade, de
“domínio intelectual”, mas, sim, o de “ter intimidade”, “ter experiência”. E,
como diz Paulo, a experiência com Deus é o resultado da paciência, que, por sua
vez, é conseqüência da tribulação (Romanos 5:3,4).
Dia após dia, Elias era alimentado pelos corvos, mas a seca que
anunciara já era uma realidade. Por isso, dia após dia, as águas do ribeiro de
Querite iam minguando, até o momento em que o ribeiro secou. Deus continuava a
agir na vida de Elias, demonstrando que tinha o controle da
situação, mas que estava a guardar o profeta e só a ele. Os corvos vinham lhe
trazer comida, mas o ribeiro se secava, em cumprimento à palavra do profeta,
que tudo dissera em nome do Senhor. Deus tem compromisso com a Sua Palavra
(Jeremias 1:12) e não a invalidará, ainda que isto representasse a proteção e o
sustento dos Seus servos fiéis. Deus não precisa invalidar a Sua Palavra para
guardar os Seus!
Quando o ribeiro secou,
Deus, então, mandou que o profeta fosse para Zarefate, cidade pertencente a
Sidom, pois o Senhor havia ordenado a uma viúva que sustentasse o profeta (I
Reis 17:9). Vemos, aqui, que Deus, depois de mostrar que tinha controle sobre a
natureza, estava agora a mostrar ao profeta que também era o controlador da
humanidade e das estruturas sociais.
Em primeiro lugar, Deus
manda que Elias deixe a região de sua morada, a região de
Gileade, região que lhe era conhecida, para que fosse a uma terra estrangeira,
um lugar desconhecido, de outros costumes, onde o profeta não poderia se valer
de seus conhecimentos de vida. Tratava-se de mais um passo de fé que se exigia
do profeta, prova de que Elias havia galgado mais um patamar da vida
espiritual. Como diz o apóstolo Tiago, quanto mais nos chegamos a Deus, mais
Ele Se chega até nós (Tiago 4:8). Entretanto, esta aproximação com Deus, que é
sempre boa (Salmos 73:28), exige de cada um de nós um desprendimento cada vez
maior. Quando nos propomos a prosseguir no conhecimento de Deus (e
conhecimento, lembremos, na Bíblia é ter intimidade, ter experiência), mais nos
envolveremos com o Senhor e isto fará com que necessitemos confiar mais n'Ele. O
profeta Oséias ressalta esta realidade ao dizer que, quando iniciamos nosso
conhecimento com Deus, Ele nos aparece “como a alva”, ou seja, como a luz da
aurora, que traz seu brilho mas é, de certa forma, distante, mas, na
continuidade deste conhecimento, o Senhor “…virá a nós como a chuva, como chuva
serôdia que rega a terra” (Oseias 6:3), ou seja, já não estará mais
distante, estará em nós, envolver-nos-á, como a chuva da época da colheita, a
chuva abundante, que tudo molhava, que embebia e encharcava a terra.
Deus, ao mandar que Elias deixasse sua região e fosse para uma terra
estrangeira, estava a mostrar que domina todas as sociedades, todos os povos,
que não é apenas um “deus nacional”, como se apresentava Baal-Mecarte, mas o
Senhor de toda a Terra (Êxodo 19:5; Salmos 24:1).
Em segundo lugar, ao
mandar que Elias fosse para Zarefate, uma cidade sob o domínio
de Sidom, o Senhor dava mais uma demonstração de sua superioridade em relação a
Baal. Ora, Sidom era, precisamente, o reino que cultuava a Baal-Mecarte.
Jezabel era filha do rei de Sidom e, portanto, Deus iria providenciar, nas
próprias terras dedicadas a Baal, a sobrevivência do Seu profeta. Deus mostrava
que tinha domínio sobre todas as estruturas políticas do mundo, passando a
sustentar o Seu profeta na “terra do inimigo”. Por isso, não devemos temer “as
investidas do vil Tentador”, porque, mesmo neste mundo que repousa no colo do
diabo, quem tem o controle da situação é o nosso Deus. Aleluia!
Em terceiro lugar, ao
mandar que Elias fosse até o encontro de uma viúva, o Senhor
também estava a mostrar que tinha pleno controle sobre a situação
sócio-econômica das sociedades. Zarefate era uma cidade dominada por Sidom e,
já por isso, uma cidade modesta, certamente de parcos recursos, visto que as
cidades dominadas por outras eram tributárias, ou seja, deviam pagar pesadas
somas periodicamente a seus dominadores. Além do mais, tratava-se de uma viúva
e as viúvas, via de regra, eram pessoas necessitadas, que se encontram entre os
mais desprovidos de recursos econômico-financeiros, que viviam da caridade
pública. Entretanto, este Deus que escolhe as coisas loucas para confundir as
sábias, fez com que o profeta passasse a ser sustentado, na terra de Sidom, por
uma viúva miserável. A cada instante, Elias aprendia o significado do seu próprio nome:
“Javé é Deus”.
Como já havia
experimentado a Providência divina, o profeta pôde, com autoridade, mandar à
viúva, que encontrou apanhando lenha, que lhe trouxesse um vaso com pouco
d’água para que bebesse e, depois, lhe pediu um bocado de pão. Ante a
afirmativa da mulher de que não tinha senão o suficiente para uma última
refeição, o profeta mandou-lhe que fizesse, primeiro, um bolo pequeno para ele
e, depois, então, preparasse alimento a ela e a seu filho, pois, enquanto não
chovesse, haveria alimento para eles (I Reis 17:14,15). Elias já sabia que Deus garantiria a sua
sobrevivência e se havia ordenado que aquela viúva lhe sustentasse, esta
garantia se estendia também a casa dela.
Mas, as experiências com
Deus ainda não haviam cessado. Baal, também, era tido como o deus da saúde.
Aliás, em Sidom, Baal era conhecido como Eshmun, o deus da saúde. Deus deveria,
pois, demonstrar não só a Elias, mas à própria viúva de Zarefate, que Deus
era o Senhor da saúde. Assim, o filho da viúva adoeceu, doença que se agravou e
que levou o filho da viúva à morte(I Reis 17:17). Apesar de sustentada pelo poder
do Deus dos hebreus, a viúva, ela própria uma gentia, não hesitou em culpar o
profeta pela morte de seu filho, como se fosse uma vingança de Baal contra o
fato de a viúva estar a acolher um israelita em sua casa.
Desafiado pela viúva, o
profeta demonstrou, uma vez mais, a sua fé. Pediu o corpo do filho e o levou
para o seu quarto, onde, em particular, clamou ao Senhor, pedindo que se
restituísse a vida ao morto. É interessante notar que, até este instante, não
havia qualquer relato de ressurreição de mortos em Israel. Elias será o primeiro a fazer um milagre desta
natureza, a revelar como estava alto o seu nível espiritual, como estava a
saber quem era Deus e do que Ele era capaz de fazer. E a Bíblia nos diz que “o
Senhor ouviu a voz de Elias e a alma do menino tornou a entrar nele e
reviveu” (I Reis 17:22). O resultado deste milagre foi o reconhecimento, pela
viúva, de que “Javé é Deus” e de que Elias era o Seu legítimo profeta (I Reis 17:24).
O milagre da
ressurreição do filho da viúva de Zarefate é o primeiro caso de “ressurreição
de mortos” registro nas Escrituras Sagradas e teve como objetivo a glorificação
do nome do Senhor e a demonstração de que Ele é o verdadeiro Deus e não Baal,
que, como deus da saúde, não tinha podido impedir o filho da viúva de adoecer,
nem tampouco pôde restituir a vida ao moço, algo que também era atribuído a
Baal, que dizia ser o responsável pelo “renascimento” da natureza após o
inverno, após uma luta em que sempre conseguia vencer o “deus da morte”. Vemos,
assim, que a experiência inédita de Elias tinha como propósito a exaltação do nome do
Senhor e a consolidação da necessária experiência pessoal que Elias tinha de ter com Deus, para ter plena certeza
de que “Javé é Deus”.
O Profeta Que Enfrenta a Apostasia Nacional
Após a ressurreição do filho da viúva de Zarefate, Elias havia concluído o período de aprendizado
sobre a superioridade de Deus sobre Baal. Devidamente experimentado na sua vida
com Deus, durante três anos e seis meses (Tiago 5:17), estava pronto para um
novo embate com o rei Acabe. A seca era terrível, cumpria-se à risca o que
havia sido profetizado por Elias e, então, o Senhor mandou que o profeta, uma
vez mais, se apresentasse diante de Acabe, porque chegara o momento de chover
sobre a terra (I Reis 18:1).
OBS: É interessante notar que Flávio Josefo faz questão de comprovar a
historicidade desta seca. Assim relata o historiador judeu: “…aquela prolongada
seca, de que o historiador Menandro fala quando narra os feitos de Etbaal, rei
dos tírios [pai de Jezabel, observação nossa], assim: Houve naquele tempo uma grande seca que durou
desde o mês de Hiperbereteu até o mesmo mês, no ano seguinte. Esse soberano
mandou fazer grandes preces e foram elas seguidas de um grande trovão. Foi ele
que mandou construir as cidades de Botris, na Fenícia e a de Auzate, na África. Estas palavras se referem, sem dúvida, a
esta seca, que aconteceu no reinado do rei Acabe, pois Etbaal reinava em Tiro,
nesse mesmo tempo.…” (JOSEFO, Antigüidades Judaicas 8,359. In: História dos Hebreus. Trad. Vicente Pedroso, v.1, p.192).
Quando ia em direção a Acabe, Elias se encontrou com o mordomo do rei, Obadias,
que era uma pessoa temente a Deus, o qual, inclusive, havia escondido profetas
do Senhor em cavernas e providenciado o seu sustento em meio a grande seca e à
implacável perseguição desenvolvida por Acabe contra os servos de Deus. Este
relato bíblico mostra-nos que Deus não só havia cuidado de Elias, como também de todos os Seus profetas,
mostrando que havia absoluto controle divino sobre toda a situação. Deus não
muda e continua a guardar os Seus servos, o Seu povo em meio aos dias
trabalhosos e difíceis que estamos a viver. Basta apenas que temamos a Deus e
que estejamos dispostos a servi-lO e a fazer o que Ele nos manda, sem nos
importarmos com as circunstâncias ou os possíveis riscos. Obadias, apesar do
cargo que ocupava, era um homem temente a Deus e, pela obra do Senhor, não
tinha por valiosa a sua posição social (I Reis 18:3,4).
Ao se encontrar com Obadias, Elias fica a saber que o rei Acabe o havia procurado
em todos os lugares, a demonstrar, mais uma vez, que o Senhor o havia
escondido, o havia não só sustentado, mas também protegido (I Reis 18:10). Também
foi cientificado de que não era o único a ter obtido a proteção e sustento da
parte de Deus, que os profetas, aqueles com quem Elias tinha tanto cuidado, também haviam sido
guardados, pela mão de Obadias.
O encontro entre Elias e Acabe bem mostra como não há comunhão entre
a luz e as trevas (II Corintios 6:14). Elias havia profetizado e a profecia se cumpria
integralmente, o que mostrava ser ele um profeta que vinha da parte de Deus
(Deuteronômio 18:21,22). Deveria, pois, o rei Acabe respeitá-lo, considerá-lo. Mas, pelo
contrário, ao se encontrar com Elias, o rei o chama de “o perturbador de Israel”
(I Reis 18:17). Assim é o mundo, assim são os ímpios: eles aborrecem os servos do
Senhor, consideram-nos um estorvo, um obstáculo, um empecilho. Jamais nos
tratarão bem, jamais reconhecerão a nossa santidade e a nossa condição de
filhos de Deus.
Não nos iludamos, os homens sem Deus e sem salvação nunca nos darão
valor, nunca falarão bem de nós. São palavras do Senhor Jesus: “Se o mundo vos
aborrece, sabei que, primeiro do que a vós, me aborreceu a mim. Se vós
fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas, porque não sois do mundo,
antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos aborrece” (João 15:18,19).
Há muitos que querem agradar aos homens, que se preocupam em ser “populares”,
“simpáticos”, “enturmados”, mas não cedamos a esta tentação. O servo de Deus
jamais será visto com simpatia pelo mundo pecador. Se, por um acaso, temos
querido popularidade e simpatia e a tenhamos alcançado, ouçamos o que diz o
Senhor: “Ai de vós quando todos os homens falarem bem de vós, porque assim
faziam seus pais aos falsos profetas!” (Lucas 6:26).
O profeta Elias, porém, não se abateu por causa desta
ofensa, desta palavra mentirosa do rei, como também não ficou preocupado pelo
fato de o rei lhe ser hostil (ninguém pense que este encontro se deu a sós. O
rei, certamente, fazia-se acompanhar de sua guarda pessoal, enquanto que Elias estava só). Antes, com autoridade, disse que
quem era o perturbador de Isael era o próprio rei, uma vez que ele havia
deixado os mandamentos do Senhor e seguido a Baal e, devidamente orientado por
Deus, lançou o desafio da reunião de todos no monte Carmelo, a fim de que se
demonstrasse quem é o verdadeiro Deus(I Reis 18:19,20). Devidamente experimentado
e tendo vivido que Deus é o único Deus, Elias poderia lançar este desafio, a fim de
proclamar a todo o povo o que havia aprendido.
Esta necessária experiência pessoal com Deus e o decorrente crescimento
espiritual é ainda um requisito para podermos proclamar, com efetividade, a
palavra de Deus. Não se pode pregar eficazmente o Evangelho sem que, antes,
tenhamos tido um contacto intelectual com ele, bem como que tenhamos uma
experiência pessoal com o Senhor. Não foi por outro motivo que Jesus preparou,
durante mais de três anos (praticamente o mesmo tempo da seca do tempo de Elias) os Seus discípulos e, depois, mandou que
esperassem o revestimento de poder para iniciar a evangelização. Um dos grandes
problemas dos nossos dias é este descuido da preparação doutrinária e
espiritual dos que querem anunciar a Palavra do Senhor, fazendo com que
neófitos se desincumbam desta tarefa, causando prejuízo a si mesmos e à Igreja
(I Timóteo 3:6).
O povo se reuniu e Elias, sem medo, apresentou-se ao povo, exigindo
dele uma definição. “Até quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é
Deus, segui-O e, se é Baal, segui-o.” (I Reis 18:21). O grande mal espiritual do
povo era a vacilação, a dúvida, a incerteza. Tudo o que não provém de fé é
pecado (Romanos 14:23). Nas Escrituras, sempre o Senhor nos recomenda a
abandonarmos a vacilação, considerada sempre uma situação espiritual de
letargia, de imobilismo, uma condição de fracasso e morte espirituais (Isaias 51:17,22).
“Vacilar” é tremer, abalar-se, hesitar, duvidar. Nunca podemos agir em relação
a Deus, “…porque o que duvida é semelhante à onda do mar, que é levada pelo
vento, e lançada de uma para outra parte. Não pense tal homem que receberá do
Senhor alguma coisa. O homem de coração dobre é inconstante em todos os seus
caminhos” (Tiago 1:6b-8).
Quantos que, atualmente, nas igrejas, têm vacilado, duvidado da Palavra
de Deus, do poder do Senhor. Envolvidos com as coisas deste mundo, sem meditar
nem estudar as Escrituras, não mantendo uma vida de oração, enfim, sem ter
experiência com Deus, encontram-se na mesma situação do povo de Israel nos dias
de Elias. Apesar da grande demonstração do poder de
Deus, numa seca que já durava três anos e seis meses, numa clara prova de que
Baal não era deus algum, não detinha controle algum sobre a natureza, o povo
ainda estava coxeando entre dois pensamentos, preferindo as benesses do poder
oferecidas por Jezabel no culto a Baal, bem como as seduções deste culto, que
era um culto sensual, depravado e repleto de tudo aquilo que agradava a
natureza pecaminosa do homem. Dinheiro, prazer, posição social eram ofertados
pelos baalim e, assim, muitos, apesar de todas as evidências do poder do
Senhor, continuavam titubeantes e, neste duvidar, acabavam sendo arrastados
pela idolatria.
Os dias em que vivemos não são diferentes. Embora não haja uma alusão
explícita das Escrituras aos “dias de Elias”, como os há em relação aos “dias de Noé” e
aos “dias de Ló”, o fato é que os dias que antecedem imediatamente aos da vinda
de Cristo também são dias de dúvida, perplexidade e de vacilação em grande
parte do povo de Deus. O próprio Jesus disse, ao se referir a estes dias,
afirma, num tom que nos exige uma rigorosa auto-análise: “…Quando, porém, vier
o Filho do Homem, porventura, achará fé na terra?” (Lucas 18:8b).
Israel vivia, nos dias de Elias, uma verdadeira “apostasia nacional”, pois
todo o país estava se enveredando pelo culto a Baal. O próprio Deus diria a Elias, pouco depois, que apenas sete mil pessoas
não haviam dobrado seus joelhos a Baal nem o haviam beijado, um número bem
diminuto frente a uma população que deveria ser bem maior (I Reis 19:18). Estes
sete mil, como bem explica o apóstolo Paulo, representam os remanescentes do
povo de Deus (Romanos 11:4), remanescente que também existe na Igreja (Apocalipse 2:13,24;
3:4). São muitos, portanto, aqueles que se deixam levar, atualmente, pela
vacilação e que, por isso, perderão a salvação. Que Deus nos guarde!
O desafio de Elias foi apresentado: o Deus verdadeiro deveria
responder com fogo a aceitação do sacrifício que Lhe fosse dado. Elias tinha experimentado o pleno domínio de Deus
sobre a natureza e tinha, assim, portanto, convicção de que somente Deus
responderia com fogo a um sacrifício. Os profetas de Baal e de Asera, num total
de oitocentos e cinqüenta (I Reis 18:19), tentaram, durante toda a manhã,
resposta de seus deuses para o sacrifício, sem resultado.
Elias, então, depois que havia deixado tempo
suficiente para que Baal respondesse ao sacrifício, oferece o seu sacrifício
diante de Deus. Como Deus não é Deus de confusão (I Corintios 14:33), reparou o altar,
que estava quebrado, bem como pôs água abundante para que não houvesse qualquer
dúvida de que era Deus quem iria operar. Este cuidado do profeta é um exemplo a
seguirmos na atualidade: a operação de Deus é algo de que devemos ter certeza e
convicção. Por isso, nada deve ser feito sem a devida preparação espiritual, a
devida santificação (o reparo do altar), como também tudo deve ser feito às
claras diante do povo, com transparência, decência e ordem (I Corintios 14:40).
Quantos altares desmantelados na atualidade têm buscado o “fogo divino” e, como
Deus não opera em lugares assim, recorrem a subterfúgios, a astuciosos
estratagemas para impressionar o povo. Entretanto, não nos iludamos, Deus não é
Deus de confusão.
Mas, além de ter reparado o altar e não deixado margem a qualquer
dúvida, Elias fez uma oração. Elias não “determinou” coisa alguma a Deus, pois sua “determinação”, como
vimos, é a disposição firme de servir a Deus, não qualquer exigência que
devesse ser feita, como muitos iludidos atrevem-se a fazer em os nossos dias. Elias fez uma oração, um pedido a Deus,
reconhecendo a Sua soberania, o Seu senhorio. Ele poderia chamar Deus de
Senhor, porque havia experimentado o controle de Deus sobre todas as coisas: o
corvo, a panela da viúva, a vida do filho da viúva. Relembrou ao povo, que o
escutava, que Deus era o Deus do pacto feito com os patriarcas, o Deus que
havia formado a nação de Israel e que ele, Elias, era tão somente um servo d'Ele. Mal acabou a
oração, o Senhor consumiu tudo com o fogo e o povo não teve mais dúvida alguma:
só o Senhor é Deus! (I Reis 18:36-39).
Em meio a este triunfo espiritual, o zelo do profeta se mostrou. Elias mandou que os profetas de Baal e de Asera
fossem mortos e, incontinenti, o povo lhe obedeceu, levando-os ao ribeiro de
Quisom, situado ao pé do monte Carmelo, onde matou a todos os profetas. Em
seguida, avisou o rei Acabe para que se apressasse e fosse comer e beber,
porque ruído havia de uma abundante chuva (I Reis 18:40,41).
Enquanto Acabe foi comer e beber, Elias foi orar. Aqui, mais uma vez, vemos como eram
diferentes estes dois homens e como são diferentes, até os dias de hoje, aquele
que serve a Deus e aquele que não O serve. Acabe, ante tamanha demonstração do
poder de Deus, deveria se arrepender dos seus maus caminhos e tornar a servir
ao Senhor. Mas, antes disso, resolveu comer e beber, continuar com a sua vida
regalada, indiferente a Deus e a tudo quanto lembrasse o Senhor, entre os quais,
o próprio sofrimento do povo, que padecia fome e sede por causa da seca. Acabe,
porém, não se importava com o povo, mas única e exclusivamente com o seu
bem-estar. É este, lamentavelmente, o comportamento de muitos que estão à
frente do povo de Deus, que se importam apenas em “subir, comer e beber”,
enquanto o povo passa necessidade.
Ainda bem que, enquanto os Acabes comem e bebem, ainda existem os Elias que vão buscar a Deus.Elias estava cheio de fé, havia sido usado por Deus maravilhosamente, fogo
havia descido do céu, consumido o altar além do próprio sacrifício, mas, quando
foi orar, e orando com fé pois já sentia o ruído duma abundante chuva, nada
aconteceu. Com rosto em terra, clamando ao Senhor, foram necessárias sete vezes
até que no céu surgisse uma pequenina nuvem como u’a mão. Deus ensinava a Elias uma vez mais: o servo nunca deve deixar de
perseverar e ser persistente. Deus não está preso ao homem. Se o fogo veio
antes mesmo que a oração acabasse, agora foram necessárias sete orações para
que o pedido fosse atendido, pedido, aliás, que Deus já havia dito, antes que
tudo começasse, que haveria de acontecer (I Reis 18:1).
Deus é o Senhor, que, aliás, é o significado do nome de Elias. Assim como Deus atendeu a Elias incontinenti para mandar fogo, exigiu dele
mais insistência para mandar a tão esperada chuva, chuva que começou numa
pequenina nuvem na forma de uma mão, para mostrar que era a mão do Senhor que
estava sobre Elias (I Reis 18:46), que continuava a ser um simples
homem, como qualquer um de nós (Tiago 5:17).
Por isso, não temos como admitir em nosso meio as famigeradas
“campanhas”, que têm proliferado nas igrejas, impondo ao Senhor “sete
sextas-feiras”, “quarenta segundas-feiras”, “vinte e uma semanas” e tantas
invencionices para que a obra seja realizada. Isto é um absurdo e, com Elias, nós temos de aprender que “Javé é Deus”, que é o Senhor quem opera,
quando, como e onde quer. Devemos pedir insistentemente, de modo ininterrupto,
como ensinou Jesus (Mateus 7:7,8), mas sempre se lembrando que o tempo é de Deus,
bem como a vontade d'Ele. Abandonemos estas superstições, este paganismo que se
introduziu em o nosso meio e voltemos ao que ensina as Escrituras, através do
exemplo do profeta Elias.
O Profeta Que Aprende a Vencer a Si mesmo
O capítulo 19 de I Reis é um daqueles capítulos que mais surpreendem o
leitor da Bíblia Sagrada. Após um grande triunfo e da afirmação de que a mão de
Deus estava sobre Elias, encontramos Acabe relatando todos os fatos
a Jezabel que, como era previsível, mandou um mensageiro a Elias, ameaçando-lhe de morte para o dia seguinte,
como retribuição pela morte dos profetas de Baal e Asera.
Qualquer um aguardaria uma total desconsideração desta ameaça por parte
do profeta, ou uma resposta duríssima sua, pois, afinal de contas, Elias estava “por cima”, vinha de uma grande
demonstração do poder de Deus. Entretanto, qual foi a reação de Elias? Fugiu para Berseba, no reino de Judá (portanto
fora da jurisdição de Acabe) e ali deixou o seu moço. Em seguida, sozinho, foi
para o deserto, no caminho de um dia, assentou-se debaixo de um zimbro, planta
que hoje é conhecida como “junipeiro” ou “giesta branca”, um arbusto atrativo,
típico das regiões desérticas, que chega a ter até quatro metros de altura,
cuja madeira era boa para se fazer carvão vegetal. Ali, sob esta árvore, o
profeta simplesmente pediu a morte a Deus. Em vez do “campeão do monte
Carmelo”, encontramos um homem deprimido, desanimado, porque havia sido
ameaçado por uma mulher. Que surpresa tem o leitor!
A mão do Senhor estava sobre Elias, mas, assim que recebeu a notícia, Elias não procurou saber qual a orientação do
Senhor. Até ali, Elias tudo havia feito de acordo com a ordem do
Senhor. Mas, assim que recebeu a notícia do mensageiro de Jezabel, em
Jizreel,para onde se deslocara para ficar junto ao rei Acabe (I Reis 18:46), o
profeta não buscou a direção de Deus. Deixou, então, de ser “a boca de Deus”,
para ser tão somente o “homem sujeito às paixões”.
A prova maior disto é que, em primeiro lugar, sai do reino de Israel,
dirigindo-se para Judá. Revela, neste seu gesto, que não mais aguardava a
direção de Deus, desprezou, mesmo, o fato de a mão do Senhor estar sobre ele, o
que poderia perceber, vez que, como profeta, tinha o Espírito do Senhor dentro
dele. Tratou, em primeiro lugar, de ir para um “local seguro”, um local onde
Acabe não reinasse. Preocupara-se, então, com a organização política, com o
poder real, algo que, enquanto estava sob a orientação divina, nunca havia sido
obstáculo para suas jornadas (lembremos que fora para Zarefate, cidade dominada
por Sidom, cujo rei era o próprio pai de Jezabel, e nunca fora encontrado por
quem quer que fosse, apesar da insistente busca empreendida por Acabe e por
Jezabel).
Em segundo lugar, uma vez em Berseba, tratou de ali deixar o seu moço,
aquele que o acompanhava. Não sabemos desde quando este moço o estava
acompanhando, mas o fato é que este moço conhecia apenas o profeta, não o
homem. Ao deixar ali o seu moço e seguir rumo ao deserto completamente só, Elias como que se despia de sua função profética, como que “pendurava as
chuteiras” do seu ministério. O profeta ficava em Berseba. A partir daí,
somente o homem sujeito às mesmas paixões que nós, o homem demasiadamente
humano é que prosseguia a viagem. Mais uma vez, o profeta demonstrava estar
fora da direção de Deus, porque resignava seu ofício sem ao menos perguntar a
Deus o que deveria fazer.
O resultado desta atitude de “independência” em relação a Deus não
poderia ser mais desastroso. Era a depressão, o desânimo, a falta de vontade de
viver. Debaixo do zimbro, vemos um homem derrotado, fracassado, única e
exclusivamente porque deixou o lugar da bênção, deixou o espaço em que estava
debaixo da mão do Senhor, para criar o seu próprio caminho, a sua própria
vontade.
“Há caminho que ao homem parece direito, mas o fim dele são os caminhos
da morte” (Provérbios 14:12). “Há caminho que parece direito ao homem, mas o seu fim
são os caminhos da morte” (Provérbios 16:25). Por duas vezes, Salomão nos dá esta
advertência, cujo exemplo de Elias só faz ressaltar. Precisamos sempre estar
debaixo da mão do Senhor, não podemos jamais sair da Sua direção, porque, se o
fizermos, isto nos será fatal. De nada adianta termos sido “campeões de Deus”,
se, no momento seguinte, deixarmos de nos orientar pelo Espírito Santo,
estaremos irremediavelmente perdidos.
Elias não esperou que Deus falasse, mas, ante o
pavor repentino que dele tomou conta, por causa da ameaça de Jezabel,
desesperou-se e iniciou uma jornada sem a presença de Deus, que o levou a um pé
de zimbro, no meio do deserto, a pedir a morte. Que decadência espiritual, a
mesma decadência a que estamos sujeitos se, também, deixarmos os “lugares
celestiais em Cristo” (Efésios 1:3). Por isso, o apóstolo Paulo nos recomenda a
“sermos firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o
nosso trabalho não é vão no Senhor” (I Coríntios 15:58b, com variação das pessoas
gramaticais). Percebamos bem este conselho do apóstolo: o trabalho não é vão
quando feito “no Senhor”. Se deixarmos o lugar debaixo da mão do Senhor, “o esconderijo
do Altíssimo à sombra do Onipotente”, não haverá descanso, como diz o salmista
no Salmo 91. Devemos sempre ter o mesmo cuidado e prudência de Esdras, para
somente andarmos no caminho direito, onde esteja sempre “a mão do nosso Deus”
(Esdras 8:21,22,31).
Este homem sujeito às mesmas paixões que nós, este “eu” que se recusava
a seguir a orientação divina é que precisava agora ter uma real experiência com
Deus. O profeta já havia aprendido que “Javé é Senhor” em relação à natureza, à
organização política, à estrutura sócio-econômica, mas era necessário que ele
soubesse que também “Javé é Senhor” do nosso “eu”, que precisamos nos render
total e absolutamente a Ele. A maior luta de um servo do Senhor é contra si
mesmo, contra o seu “eu”. Para sermos valentes, precisamos vencer a nós mesmos,
como diz o poeta sacro Almeida Sobrinho na última estrofe do hino 225 da Harpa
Cristã.
Quando está a pedir a morte, neste profundo estado depressivo, Elias recebe a visita de um anjo, que determinou
que ele se alimentasse de um pão cozido sobre as brasas e uma botija de água. Elias atendeu à ordem angelical, mas, logo em
seguida, tornou a deitar-se. Novamente, o anjo lhe determinou que se
alimentasse e que retomasse o caminho, que seria mui comprido. Após ter se
alimentado esta segunda vez, Elias recobrou ânimo físico e, com a força daquela
comida, caminhou quarenta dias e quarenta noites, em direção a Horebe, o mesmo
monte onde Deus havia Se manifestado a Moisés para a libertação do povo (I
Reis 19:5-7).
Nesta manifestação da misericórdia divina, Elias tem uma nova experiência com o Senhor.
Descobre que Deus também tem controle sobre os céus. A vinda de um anjo para
alimentá-lo mostra que Deus é tanto Senhor dos céus como Senhor da terra. Elias tem, assim, a revelação do Senhor dos
Exércitos, d'Aquele que tem pleno domínio também das regiões celestiais.
De pronto, vemos, neste instante da vida do profeta, que somente uma
intervenção divina poderia retirar Elias da sua situação. Não há como vencer o “eu”
que existe em nós a não ser por intermédio de uma operação divina. A salvação é
fruto da graça de Deus (Efésios 2:5,8), não se tendo condição alguma de se erguer
espiritualmente sem a manifestação desta graça, que traz salvação a todos os
homens (Tito 2:11). Apesar de todo o seu gigantismo espiritual, Elias estava prostrado e, se dependesse dele, não
haveria outra perspectiva senão a morte.
Uma vez em Horebe, Elias entra em uma caverna. A ação divina, até
aquele instante, havia atingido tão somente o físico do profeta. Em vez de ir
ao cume do monte para buscar a Deus, Elias esconde-se numa caverna, a denunciar o seu
estado espiritual. Mas, mesmo na caverna escura, Deus nos encontra! O Senhor Se
apresentou ao profeta e perguntou o que ele fazia ali. Em resposta a esta
pergunta, Elias demonstra toda a força do seu “eu”. Embora
tivesse sido avisado pelo mordomo real Obadias da existência de outros servos
do Senhor, Elias diz que somente ele havia ficado para servir
a Deus. A prevalência do “eu” impede-nos de ver a manifestação do poder de Deus
ao nosso redor. Nunca estamos sós nem jamais somos os únicos a desfrutar da
misericórdia divina. Devemos, sempre, considerar os outros superiores a nós
mesmos (Filipenses 2:3), nunca devemos nos enfatuar, nos envaidecer, pois esta atitude
é típica dos homens dos tempos trabalhosos, daqueles que não servem a Deus.
Para vencer o seu “eu”, o profeta deveria ter uma nova experiência com o
Senhor. Até então havia visto o Senhor que controla todas as coisas, que ordena
os corvos a trazer pão e água, o azeite e a farinha da panela a se multiplicar,
o filho da viúva a reviver, o fogo do céu a consumir o sacrifício e o próprio
altar, o anjo a trazer alimento, o corpo de Elias a ter um miraculoso vigor que o permitiu
andar pelo deserto, sem precisar se alimentar, por quarenta dias e quarenta
noites. Agora, o profeta haveria de conhecer uma outra face divina: a face do
amor.
Elias é mandado sair da caverna e, no monte, ficou
diante do Senhor, Senhor que fez passar um grande e forte vento que fendia os
montes e que quebrava as penhas, mas, em toda esta violência, Deus não estava.
Em seguida, como se fosse pouco o vento, houve um terremoto, mas ali também
Deus não estava. A seguir, veio um fogo, e também o Senhor ali não estava. Deus
mostrou que era o supremo controlador da natureza, mas este lado o profeta já
conhecia. O que Elias ainda não conhecia era o lado amoroso do
Senhor, o Deus que não só controla a natureza, nela intervindo, mas que também
ama o homem. Era na voz mansa e delicada que o Senhor Se apresentou (I
Reis 19:11,12).
Novamente o profeta apresenta o seu “eu” diante do Senhor, mas este “eu”
é quebrantado pela voz mansa e delicada. O Senhor mostrou ao profeta que não
era ele o único servo de Deus, era ele um homem sujeito às mesmas paixões que
nós, era um homem que ainda precisava fazer algo pela obra do Senhor. Deus lhe
revelou, então, que caberia ainda ao seu ministério ainda três providências: a
separação de pessoas escolhidas por Deus para governar sobre Israel, sobre a
Síria e a continuidade do próprio ministério profético.
A Bíblia é bem sucinta, dizendo apenas que, após estas palavras do
Senhor, o profeta Elias partiu do monte Horebe (I Reis 19:19). Esta
partida, contudo, tem um grande significado, pois o texto sagrado nos diz que a
primeira coisa que Elias fez foi ir à busca de Eliseu, que Deus havia
indicado como seu sucessor. Este gesto do profeta mostra que o seu “eu” havia
sido quebrantado, que estava ele na total dependência de Deus, que voltara à
direção do Espírito Santo. Ao ir atrás de Eliseu, o profeta retomava o seu
ministério e se punha à disposição de Deus. Não era mais o arrogante “zeloso”,
mas alguém que compreendera que era apenas um vaso de barro nas mãos do oleiro,
tanto que, incontinenti, já foi em busca daquele que Deus apontara como o seu
sucessor.
O desprendimento de Elias foi tanto que observamos que das três tarefas
determinadas por Deus a ele, Elias apenas cumpriu o referente à sua própria
sucessão. Jeú foi ungido por ordem de Eliseu (II Reis 9:1-3), assim como Hazael,
rei da Síria, foi ungido também por Eliseu (II Reis 8:13). Elias não quis para si esta honra, mas, sabedor de
sua condição de simples servo de Deus, tomou a providência que lhe cabia:
preparar o seu sucessor, a fim de que ele cumprisse tudo quanto havia de se
fazer na obra de Deus.
Elias compreendeu que, muitas vezes, nosso
ministério não depende de nossas atitudes diretas, mas de nosso desprendimento
para preparar outros para a continuidade do trabalho do Senhor. Era este o
mesmo espírito que norteava a ação dos apóstolos na igreja, notadamente no caso
de Paulo que, abrindo igrejas, tão logo havia condição, escolhia alguns para
governá-las e prosseguia sua missão evangelizadora. Como seria bom se, em vez do amor ao poder e à formação de
impérios eclesiásticos, as lideranças da atualidade experimentassem este mesmo
quebrantamento de “eu” que o Senhor operou em Elias!
Elias, O Profeta Desprendido Que Continua a Denunciar o Pecado e é Poupado da Morte Física
Depois desta experiência no monte Horebe, tem início a fase final do
ministério de Elias, pelo menos no que diz respeito a este
período de sua vida terrena. O texto sagrado interrompe o relato da vida do
profeta, no capítulo 20, para voltar a falar do rei Acabe e de sua guerra
contra a Síria, quando, para confirmar a palavra que Deus havia falado a Elias, aparece um outro profeta, cujo nome não é
mencionado, que faz com que o rei tenha vitória sobre os seus inimigos.
Elias, porém, retorna ao texto sagrado, agora para
trazer um duro juízo sobre Acabe, Jezabel e sua casa, por causa da morte de Nabote, uma trama
engendrada por Jezabel. Acabe creu na palavra do profeta e, por isso, foi
poupado de ver a destruição de sua casa em seus dias, ainda que ele mesmo
viesse a sofrer o juízo de ter seu corpo dilacerado e seu sangue lambido pelos
cães nas terras que haviam sido tomadas de Nabote (I Reis 21:17-29), profecia,
esta, que foi integralmente cumprida (II Reis 9:36; 10:10).
Acabe morreu, tendo, aliás, se cumprido em relação a ele o que havia
falado o profeta Elias (I Reis 19:38), sendo sucedido pelo seu filho
Acazias, que adoeceu e foi, então, pedir a saúde a Baal-Zebube, deus de Ecrom,
que, como vimos, era o deus da saúde. Surge, então, novamente o profeta Elias, para anunciar a morte do rei. Acazias
mandou, então, por três vezes, que soldados fossem prender o profeta, tendo as
duas primeiras companhias militares sido consumidas pelo fogo do céu que foi
invocado pelo profeta. Elias continuava a ser o profeta zeloso, mas que
dependia exclusivamente do Senhor. Fogo do céu consumiu cem homens, mas tudo Elias fez pela direção do Espírito, tanto que,
mesmo após terem sido consumidos cem homens, foi até a presença do rei quando o
Senhor assim o determinou (II Reis 2:15).
Elias era, então, um homem totalmente dependente
nas mãos do Senhor. Vigoroso, continuava a denunciar o pecado e não compactuar
com a idolatria dos seus dias. Embora se mantivesse isolado da sociedade, numa
atitude que o escritor evangélico Júlio Severo bem denomina de “isolamento
profético”, não deixava de denunciar o pecado e de ser usado nas mãos do Senhor
para atacar os desmandos e os desvarios daqueles que estavam a desvirtuar a fé
no meio do povo de Deus. Ao se apresentar ao rei Acazias, o profeta mostra toda
a sua coragem e autoridade, dizendo que o rei morreria. Esta morte outro
objetivo não tinha senão mostrar a todo o povo que Deus era o Senhor da vida,
não Baal-Zebube. E o rei Acazias morreu, conforme a palavra do profeta (II
Reis 1:17).
O profeta, também, deixou uma mensagem escrita que foi anunciada somente
depois de sua trasladação, mensagem destinada ao rei de Judá, Jeorão, filho de
Josafá e sobrinho de Acabe, no qual lançou um juízo de dura enfermidade por
causa da apostasia daquele rei, juízo este que se cumpriu integralmente (II
Crônicas 21:12).
Após mais esta atitude que fez prevalecer o nome do Senhor no meio de
Israel, Elias é, então, poupado da morte, subindo ao céu,
sem passar pela morte física, num redemoinho. Antes disso, porém, Elias faz um milagre, qual seja, a exemplo do que fizera Josué, atravessa o
rio Jordão em seco, na companhia de Eliseu (II Reis 2:8). Ao assim agir, Elias mostrou claramente, a Eliseu e aos filhos dos
profetas, que “Javé é Deus”, que tem o pleno controle da natureza.
Este controle absoluto da natureza seria demonstrado no episódio da
trasladação do próprio profeta. Elias havia pedido a morte, quando em seu momento de fragilidade, mas Deus não
queria que Seu servo experimentasse a morte, ao menos neste instante histórico. Elias é levado aos céus em um redemoinho (II
Reis 2:11), depois que um carro de fogo, com cavalos de fogo, separou Elias de Eliseu. Muitos, inadvertidamente, dizem
que Elias subiu ao céu nesta “carruagem”, mas não é
isto o que diz o texto bíblico.
A subida de Elias ao céu num redemoinho é o coroamento de uma
vida de contínua intensificação da intimidade do profeta com Deus. De
experiência em experiência, Elias foi adquirindo um “status” que o fez atingir
o mesmo nível de Enoque. Elias rendeu-se totalmente ao Senhor e passou a
andar com Ele de modo profundo e ininterrupto e o resultado disto foi o de ter
alcançado a mesma graça que Enoque, o sétimo depois de Adão, obtivera nos seus
dias: o da intimidade tão estreita que fez com que Deus o tomasse de entre os
viventes. Todos quantos experimentarem esta mesma intimidade também serão
tomados pelo Senhor, para que habitem com Ele para todo o sempre, sendo o Seu
povo e Ele, o seu Deus (Apocalipse 21:3).
Muitos, na atualidade, notadamente os chamados “teólogos liberais”,
procuram contestar o texto sagrado, dizendo que Elias morreu, que o texto sagrado apenas faz uma
descrição de como teria sido sua morte. No entanto, não podemos contender com o
texto sagrado. Elias não morreu, não experimentou a morte física.
A Bíblia é bem clara a este respeito e, se assim não fosse, como explicar a
expectativa que os israelitas nutriam da sua volta, como vemos nos dias de
Jesus? Contra o texto bíblico não podemos conjecturar e, por isso, não podemos
admitir qualquer idéia em contrário.
Muitos estudiosos da Bíblia, desde os primeiros séculos da história da
Igreja, entendem que Elias será uma das duas testemunhas registradas no
capítulo 11 do livro do Apocalipse, que virá pregar nos dias do Anticristo,
visando o arrependimento do povo de Israel. Este pensamento está baseado em
alguns pontos, a saber:
a) o ministério do profeta Elias não se encerrou, tanto que duas das três
tarefas a ele cometidas, foram cumpridas por Eliseu. Tratar-se-ia, pois, de um
ministério inacabado, que o foi propositadamente pelo Senhor, porque Elias haveria de voltar para concluí-lo, o que se
dará na Grande Tribulação.
b) o profeta Malaquias afirma que Elias voltará antes do “grande e terrível dia do
Senhor” (Malaquias 4:5), ou seja, antes da batalha do Armagedom, que porá fim à Grande
Tribulação e instituirá o milênio. Alguns afirmam que Malaquias 4:5 já teria se
cumprido no ministério de João Batista, conforme teria confirmado o próprio
Senhor Jesus (Mateus 17:12; Marcos 9:13). No entanto, embora Jesus tenha dito que o Elias que haveria de vir antes de Sua primeira
vinda, fosse João Batista, também afirmou que Elias viria e restauraria todas as coisas, como que
indicando que o cumprimento cabal desta profecia ainda não se deu (Mateus 17:11;Marcos 9:12). O Elias da primeira vinda a Israel teria sido João
Batista, mas o próprio Elias haveria de vir antes da segunda vinda.
c) a Bíblia diz que todos os homens foram destinados a morrer uma vez
(Hebreus 9:27) e Deus não faz acepção de pessoas (Deuteronômio 10:17; Atos 10:34), sendo certo
que Elias, como homem que era, pecou, necessitando,
pois, morrer. Assim, sua volta na Grande Tribulação seria para o cumprimento
desta ordem divina, já que as duas testemunhas serão mortas pelo Anticristo
(Apocalipse 11:7).
d) Elias encontra-se, atualmente, junto a Deus, tendo
aparecido, juntamente com Moisés, no monte da Transfiguração (Mateus 17:3), numa
clara demonstração de que está à disposição do Senhor para realizar a Sua obra
quando for o tempo.
É interessante observar que os judeus, até o dia de hoje, aguardam a
volta de Elias e, em suas cerimônias de circuncisão, sempre
deixam vaga uma cadeira, que é denominada de “o lugar de Elias”. Como nos diz o escritor Francesco
Spadafora: “…É do conhecimento geral que o profeta ‘arrebatado’ ao céu ocupa um
lugar importante na haggada. Essa ilustra e amplia com elementos legendários,
às vezes simplistas, e com considerações teológicas os textos bíblicos
relativos à vida terrena de Elias; porém, se detém especialmente em seu
arrebatamento e sua atividade celestial, sobre suas aparições na terra como
benfeitor dos pobres e amigo dos humildes, como socorredor e libertador dos
fiéis em toda situação extrema, como amigo dos sábios e estudiosos da Torah,
devido o seu zelo por ela, e finalmente como precursor do Messias.…”
A primeira lição que temos com Elias é o chamado “isolamento profético” de que ele
é um exemplo típico. Elias sempre é apresentado no texto sagrado como
alguém que se mantinha à parte da sociedade, retirado, tendo um trajar
diferente, a andar pelos desertos e afastado do dia-a-dia do mundo de seu
tempo. Esta característica levou, inclusive, Elias a ser um exemplo para os adeptos do movimento
monástico, ou seja, para aqueles que resolveram servir a Deus isolando-se do
mundo, abrindo conventos e monastérios através dos séculos.
OBS: “…Aos monges, o tema do aspecto profético de sua própria vida
sempre inspirou o mais vivo interesse. De fato a espiritualidade da vida de perfeição já
foi preparada no AT. Os grandes profetas Elias, Eliseu e São João Batista foram
considerados, junto com outros, como protótipos da vida religiosa. …”
No entanto, o “isolamento profético” não pode ser considerado um modelo
no sentido físico, mas, sim, sob o seu aspecto espiritual. Como ensina o
escrito evangélico Júlio Severo, “a característica fundamental do estilo de
vida profético de Elias, que entrará em ação nos últimos dias, é o
isolamento profético. Elias se isolava completamente dos pecados da sociedade.(…)
Em seu isolamento, Elias sempre buscava a Deus e se preparava para
atender toda vez que Deus o chamava para ir ao meio da sociedade e confrontar
seus líderes políticos e valores errados.…” (A volta do profeta Elias: o que a unção de Elias representa para as famílias e o mundo
político nestes últimos dias.
A terceira lição que aprendemos tendo Elias como contra-exemplo é a de que não podemos
ser individualistas, nem achar que o mundo gira em torno de nós. Deus e o Seu
povo são maiores do que nós. Somos importantes para Deus, Deus nos ama, mas
também ama outras pessoas e tem compromisso com a Sua Palavra, Palavra esta que
é posta, inclusive, acima do Seu próprio nome (Salmos 138:2). Assim, para
reproduzir uma frase de um controvertido parlamentar brasileiro que ficou
famosa, devemos nos reduzir à nossa insignificância.
Elias deixou-se levar pelo individualismo e se
apresentou como o único remanescente de Deus na terra de Israel, esquecido do
mordomo Obadias e dos profetas que este havia protegido da fúria de Jezabel. Elias voltou-se única e exclusivamente para si e,
portanto, não poderia enxergar a Providência Divina para com todo o povo de
Israel, que era o Seu povo escolhido. Que tristeza quando esquecemos do povo de
Deus e do compromisso do Senhor com este povo. Nossa mesquinhez levar-nos-á a
um completo isolamento e a uma total fraqueza. Quando pensamos só em nós
mesmos, em nossos benefícios, nosso destino será o pé de zimbro no deserto, o
desânimo e o fracasso e, se o Senhor não tiver misericórdia de nós, como teve
com Elias, seremos um retumbante fracasso e, ante
nossa inutilidade, lançados seremos nas trevas exteriores, onde há pranto e
ranger de dentes.
Que Deus nos
guarde!
A quarta lição que tem Elias como contra-exemplo é o de querermos
estabelecer o tempo de nosso ministério. Ministério é serviço e, portanto, quem
determina as tarefas não é o servo, mas, sim, o senhor. Na parábola já
mencionada, é o Senhor quem diz o que deve, ou não, ser feito pelo servo
(Lucas 17:7). Quando recebemos uma incumbência do Senhor, temos de cumpri-la,
sabendo que o lugar, o tempo e o modo de fazê-lo são estabelecidos pelo Senhor,
não por nós. “Sabei que o Senhor é Deus, foi Ele e não nós que nos fez povo Seu
e ovelhas do Seu pasto” (Salmos 100:3).
Elias achou que seu ministério havia findado.
Provara que o Senhor era Deus e matara os profetas de Baal e Asera. Para sua
surpresa, o rei Acabe não havia se convertido e Jezabel, em vez de fugir para
Sidom, mandou avisar Elias que o mataria. Elias entendeu, então, que seus objetivos haviam
sido cumpridos e que nada mais restava fazer senão morrer. Considerara que Deus
havia falhado no seu intento de destruir o culto a Baal e que não havia mais o
que fazer pelo povo. Que presunção, que audácia de um simples vaso de barro,
querendo determinar o que havia de fazer o oleiro! “Ai daquele que contende com
o seu Criador, caco entre outros cacos de barro! Porventura, dirá o barro ao
que o formou: Que fazes? Ou a tua obra: Não tens mãos?” (Isaías 45:9).
Muitos estão a fazer isto na atualidade. Estabelecem o lugar, o tempo e
o modo de seus ministérios, esquecidos de que são apenas servos, caco entre
outros cacos de barro. Não se recordam das palavras de Paulo a Timóteo, na sua
derradeira carta: “Mas tu sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de
um evangelista, cumpre o teu ministério” (II Timóteo 4:5).
Quantas igrejas locais não têm sofrido por causa destes que, se
arrogando o direito de estipular lugar, tempo e modo de seus ministérios, ficam
onde Deus não quer mais que fiquem, saem de onde Deus não quer que saiam,
estabelecem modos e maneiras que Deus não quer que estabeleçam. São verdadeiras
pedras de tropeço, obstáculos para o bom desenvolvimento da obra do Senhor.
Tais pessoas são rebeldes, desobedientes e, se não se arrependerem, terão um
destino triste e lamentável (I Pedro 2:6-8). Que Deus nos guarde!
Como já dissemos supra, o fato de Elias ter deixado seu moço antes de partir para o
deserto é elucidativo desta circunstância negativa. Na verdade, ao deixar o seu
moço em Berseba, Elias como que renunciava a seu ministério, deixava
em Berseba não só o moço, mas o profeta. Partia para o deserto apenas como um
homem, como alguém despido de espiritualidade. Quantos não têm caminhado para o
deserto, abandonando seu ministério, mas ainda mantendo o título e a posição na
organização. Quantos não têm deixado o corpo de Cristo, embora continuem
integrando o grupo social. Quantos não têm deixado a Cristo, mas têm se mantido
crentes, e até “ministros”…
OBS: A idéia de que o ministério profético era totalmente independente
da vontade do profeta está bem delineado neste trecho de um historiador
judeu-brasileiro, que ora se transcreve: “…O conceito do profeta como ‘boca de
Deus’ é antigo (Êxodo 7:1,2), é uma função que ele não escolhe, mas para a qual se
acha designado, muitas vezes contra sua própria vontade e quase sempre para
dizer o que os outros não querem ouvir. O navi [profeta em hebraico,
observação nossa] é escolhido por Deus e irresistivelmente compelido a
comunicar aos outros a Sua mensagem. Ele só fala quando assim mandado e, uma
vez recebida a ordem, quer queira quer não, tem que falar.…”
A quinta e última lição negativa de Elias é a referente ao desânimo. Não podemos, em
hipótese alguma, deixar que o desânimo nos atinja. Jesus mandou-nos que
tivéssemos “bom ânimo” e é necessário, particularmente nos dias difíceis em que
vivemos, que este ânimo seja redobrado a cada dia. O desânimo é a porta de
entrada do fracasso espiritual, é a brecha para perdermos a nossa salvação. As
dificuldades são crescentes, mas temos de ter ânimo, de nos esforçarmos para servir
a Deus e ganhar almas para o Seu reino.
Não podemos desfalecer, apesar das dificuldades dos nossos dias. O
pecado aumenta e, por isso, tem de aumentar a denúncia contra o pecado. Ainda
que haja trevas, ainda que muitos se envergonhem do Evangelho e da Palavra de
Deus, devemos repetir as palavras do profeta Miquéias: “Mas, decerto, eu sou
cheio da força do Espírito do SENHOR e cheio de juízo e de ânimo, para anunciar
a Jacó a sua transgressão e a Israel o seu pecado” (Miqueias 3:8). Combatamos o bom
combate até que acabemos a nossa carreira! Amém!
Abraços e fique na paz do Senhor Jesus Cristo.
Neander Silvestre.